terça-feira, 24 de agosto de 2021

As contradições da nudez

Êita, que lá vem filosofia de boteco...

Desde muito tempo, eu adoro ficar nu.

É uma coisa minha, que eu demorei certo tempo para apropriar-me como minha, e não como uma esquisitice, muito menos como uma perversão. A nudez para mim tem um certo atrativo--um não, aliás, mas vários, e eu fui descobrindo-os pouco a pouco.

Na minha família, durante meu crescimento, a nudez não era nada comum. Não que eu fosse reprimido, mas havia esse instinto natural de me ocultar, mesmo de quem eu tinha total intimidade. Além disso, demorou muitos anos até eu ter um espaço individual meu, fechado, e com porta. Mesmo quando eu tinha o meu próprio quarto, ele tinha livre acesso por todos. A ideia de privacidade chegou muito tarde na minha vida.

Tão logo eu saí de casa, eu adotei essa coisa de ficar sem roupa durante o máximo de tempo possível. Foi quase que uma lei decretada: "usarei roupas apenas quando estritamente necessário". E esse "necessário" reduzia-se a estar em público, ou na companhia de qualquer pessoa com quem não tivesse um relacionamento íntimo, ou por imposição do frio (e, nesse último caso, eu preferia o uso de um roupão, algo que ainda desse a sensação de uma certa nudez).

Aqui, um aparte, que pode parecer desnecessário, mas faz parte da construção da minha imagem: eu raramente abandono a cueca. Para mim, é um exercício tentar dizer isso sem cair na sensação do "esquisito" (afinal, todo o Fernie Can Do é praticamente isso!); mas sim, para mim, parece que a cueca traz uma sensação de intimidade ainda maior do que a nudez plena. Ficar completamente nu parece que tem um elemento de exibicionismo (que é belo e tem seu lugar, naturalmente), enquanto que ficar de cueca tem a coisa da modéstia, da casualidade, da inocência, que me atrai bastante. Fora isso, tem a questão do conforto, da higiene, e também da estética: eu sempre achei lindo um homem de cueca, o que ficou ainda mais claro depois que eu me aceitei como bissexual (nota: o tema deste parágrafo deverá voltar em uma publicação futura!).

Mas até aí, estamos falando da nudez estritamente individual--ou, no máximo, conjugal. Não há muita "contradição" nisso, né? O lance aqui é a nudez pública.

"Putz, esse chão deve estar uma sujeira..."

Eu tive especificamente duas experiências no Von Teese, de Porto Alegre, onde me permiti, pela primeira vez, expor o corpo para estranhos (e sem cueca!). A primeira foi no Sarau Pelado, que foi uma experiência artística, de compartilhar leituras (inclusive algumas minhas), e poder interagir com pessoas que estavam vivenciando aquela coisa leve e libertadora assim como eu. A segunda foi um happy hour, e aí foi em clima de festa, mesmo.

Depois, houve as minhas performances burlescas. A primeira foi num evento online (tirar a roupa na internet? Oh, que chocante!), e depois presencial. E aí, a coisa foi indo, e cá estou agora.

O lance é que, tá, tudo bem, a nudez artística é uma coisa tão velha quanto a própria arte. Por mais que ainda seja tabu pra muita gente, não é novidade nenhuma pra sociedade em geral. Mas a nudez que eu faço aqui, como Fernie Can Do, principalmente lá no Instagram (@fernie_can_do2, segue lá!), é, digamos, parcialmente artística. Tem o elemento da expressão, é claro, mas é meio que "eu mesmo" e pronto. Nem tudo é tão pensado assim.

E aí, fica uma questão: qual é a "mensagem" que eu tô passando?

Eu tenho pensado nisso desde os dias seguintes que eu comecei este trabalho. Quando eu criei a primeira conta e publiquei as primeiras fotos, eu não racionalizei muito o motivo: era uma vontade e pronto. Mas, depois, vem uma reflexão: o que exatamente eu tô fazendo?

O que me mais faz pensar é o seguinte: a nudez não necessariamente tem que ser "sexy". Inclusive, há algo intensamente interessante na nudez deliberadamente não-sexy. E eu tenho certeza de que, pra muita gente por aí, é uma necessidade também poder mostrar o corpo não como um objeto de desejo. Penso que, para as mulheres, isso é fundamental; afinal, elas já são rotineiramente objetificadas quando estão vestidas da cabeça aos pés. Imagina quando estão desnudas, então? Pra muito cara por aí, a nudez é necessariamente um "convite". Aí, mesmo uma coisa que não é pra ser "sexy" acaba se tornando objeto de desejo.

Agora, é claro que existe também a necessidade de desmistificar o tabu do sexo, poder realmente ser sexy sem ser julgado por isso. Isso também é um fator importante. Mas nudez não é só isso! E aí? Quando uma mulher se mostra como indivíduo sexual, isso tem o elemento da libertação e do enfrentamento, mas também alimentaria a ideia de que a mulher tem que ser "desejada" sempre? E quando uma mulher se mostra como "não-sexy", isso tem o efeito de confrontar a objetificação da mulher, mas também contribuiria para a estigmatização do sexo? Complicado, isso!

"Mas, Fernie, tu é homem, esse não é o teu lugar de fala!"

Eu sei, pô! Eu tô só tentando ser empático! Se tiver alguma mulher aí disposta a enriquecer a conversa, por favor, faça-o nos comentários! Eu ficarei lisonjeado e feliz com isso.

... mas, sim, eu sou homem, homem cis-gênero. E como isso me afeta?

Eu não sei se posso falar por todos os homens. Eu falo por mim. Eu sinto que, desde sempre, eu tinha um "papel a cumprir" como homem, um molde no qual eu devia me encaixar. Eu precisava ser o "dominador", o "imponente", o "controlador", o "potente".

E, de boa, eu nunca quis isso. Mesmo.

Então, embora talvez para um homem não seja tão complicado mostrar um corpo quanto para uma mulher (por muitos motivos incluindo esses que eu mencionei acima--exercício de empatia, gente!), também há alguns fatorezinhos. Afinal, o "esperado" é que eu, no máximo, mostre o corpo bombadão e sarado posando de sunga e óculos escuros na praia, ou na piscina, de preferência com uma "mulher-objeto" ali por perto. Essa é a nudez que se espera de mim (embora seja questionável inclusive se é "nudez" estar de sunga, pois isso é tão socialmente aceito!).

Mas, de novo, essa não é a nudez que eu quero. Não que eu não goste de posar de sunga (tá aí um plano futuro pro Instagram!), mas desse jeito, e com esse propósito, não.

Eu quero a nudez frágil, a nudez vulnerável, delicada, doce, bem humorada, às vezes até debochada, e fofa. E a sensação que eu tenho é que grande parte dos homens não quer isso de mim. Isso não é cumprir o "papel de homem" que me foi reservado.

Mas é o que eu quero, porra!

O que eu quero é expor justamente a nudez que eu pratico no meu íntimo, em casa, todos os dias. Não é exibir músculo e aquele sorrisão "vou te comer" como os playboyzinhos fazem na praia, mas é ficar de cueca e meia na minha cama desarrumada, sem fazer nada demais.

Tipo isso aí.

É isso que o Fernie Pode Fazer. E é isso que ele quer, e vai fazer. Não tem papel de gênero nem imposição social que vai mudar isso. Este é o meu enfrentamento, a minha pequena batalha, e eu apenas desejo que ela seja tão divertida quanto posso ser.

Mas... será que vai ser compreendido? Será que essa "mensagem" vai chegar nos outros? Eu não sei. Eu não tenho como garantir. Por mais texto que eu escreva e por mais explicação que eu dê, não tem como ter certeza. Afinal, eu sou um cara pelado na Internet. As implicações disso são imensas, e eu nunca me iludi achando o contrário.

Eu sei que, pra muitos, isso é "pervertido", é "corrompido". Eu sei que, pra outros, parece que eu tô simplesmente me exibindo e inflando meu ego. Eu sei que alguns vão achar tosco, feio; outros vão achar ridículo e sem noção; e talvez alguns outros ainda me tratem como material de punheta. Isso eu não controlo.

O que eu sei é que eu não quero mandar "mensagem" nenhuma sobre qualquer pessoa que não seja eu mesmo. Eu não quero dizer que os outros devem se exibir que nem eu, que o corpo masculino deve ou não deve ser objeto de desejo, ou qualquer coisa que valha. A mensagem que eu passo é sobre mim mesmo, e, no fim, você vai interpretá-la do jeito que você quiser.

Então interpreta a minha bunda.

... aliás, se eu sou material de punheta pra você, eu não vou te criticar nem te constranger, tá bem? Seja feliz e divirta-se. Apenas não invada meu espaço individual sem eu dar autorização. Aliás, não faça isso nem comigo nem com ninguém, certo? Agora, se você for respeitoso e gentil, eu tô disposto a trocar uma ideia.

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